Poesia - Navalha

Vou te cortar lentamente
Com a lâmina das minhas angustias
Pouco afiada – mal mirada – dor alargada
Vou te cortar diariamente
Lenta e eternamente
Deixo a ti, a porta aberta
Deixo a ti, a chave incerta
Fecho os olhos, pouco alerta
Prendo a inspiração e a respiração
Ainda sinto o cheiro da tua transpiração
Tu não partes
Junta as partes e permanece ali
Preso a mim, presa a ti
Cordeiro do sacrifício
E novamente te toco
Como ferro em brasa
Penetro – faço de ti minha casa
Te mordo, te marco, te sofro, te rasgo
Pouco a pouco apago a vida em ti
O brilho dos teus olhos – opaco
O grito dos teus lábios – já fraco
E tudo o que resta – um naco
Daquilo que um dia sorriu em ti
Vou de cortar lentamente
Em muitas partes, em muitos ramos
E se te corto é porque te amo
E só me alimento de ti
Vou de cortar lentamente...

Imagem: Brom

Comentários

Unknown disse…
Eu sinto uma influencia de Augusto do Anjos neste aqui. Eu sou apaixonada pelas poesias dele.