CRÔNICA - Quebrando a Concha









Publicada no Caderno Mulher/jornal AGORA em Fev/2009 Ilustração: Jairo Tx










Um belo dia você acorda. Parece um dia normal, você parece normal, até que acontece, assim de repente: as paredes se fecham sobre você e o chão some sob seus pés – o ar é pouco para tanta gente, você não deveria estar ali. Precisa correr, fugir para um lugar mais seguro, longe de toda essa gente, do lixo e do barulho que elas produzem!

Não é mais um dia qualquer e você “sabe”, você sente:
—Tem alguma coisa muito errada acontecendo com você, em você, neste exato momento!

Você tem a certeza que este dia, este momento será o seu último — mas não é! “Ufa, que alívio” — embora “alívio” seja o que menos se sente — o medo é o único sentimento, vibrante, palpável. Medo de que aquilo volte a acontecer, “medo do medo”.

Os dias se passam, o socorro vem — investiga, tenta concertar o que quer que esteja errado em você — e depois de gastar algum tempo e dinheiro (seus), submetendo-lhe a todo o tipo de aparelho, eles concluem:

— Seu corpo está perfeito!
— Mas como assim? O que foi aquilo?

Bom, você sabe que eles fuçaram bem, eles e seus estranhos aparelhos — você sabe, afinal, infelizmente você estava lá — E é aí que o medo cresce ainda mais, pois se seu corpo está bem, então o que foi toda aquela dor no peito, a falta de ar e a sensação de morte iminente? Fruto de sua imaginação?

— Eu não desejaria isso nem ao meu pior inimigo — você pensa — muito menos para mim! Quem em seu juízo perfeito faria algo assim? Auto-sabotagem das brabas!

Saiba que há muito mais coisas acontecendo em sua cabeça “do que julga a sua vã filosofia” e isso, pode ser uma delas: a tal “síndrome do pânico” — S.P. para os mais íntimos — não queira ser um deles, ela é uma péssima companhia, eu garanto!

Você não sabe dizer ao certo como isso começou, nem quando ou porque, mas agora, de repente, achou esta concha ela lhe parece tão segura, tão confortável. Você então a veste e começa a torcer: Para que ninguém lhe note, ninguém lhe chame, ninguém se aproxime — e pouco a pouco seus desejos se tornam realidade — sente o mundo se fragmentando...

... Parte lá, feito de pessoas, cores e sons. Colorido e barulhento como o mundo da Tv, onde você é um mero telespectador.
... Parte aqui, onde ninguém mais pode ver. O lugar mais seguro do mundo, o SEU mundo. Você se tornou uma prisão viva!

Já faz tanto tempo — dias, meses, anos, impossível definir — não há calendários ou relógios dentro da concha, só há você e o medo. No princípio você espia o mundo pela pequena abertura da concha, depois se contenta em ouvi-lo. Tão turbulento quanto o mar — Pra que falar em meio a tantas vozes? Ninguém escuta. E se escutassem, não me entenderiam... Melhor fechar a concha. — E assim, o tempo passa...

Ninguém parece ter notado. No início é perfeito! Mas, como dizem os mais sábios: “Cuidado com aquilo que deseja!” Com o tempo a concha se torna tão cinza por dentro, tão fria, tão vazia...

— Ao menos é seguro aqui — você se agarra a essa verdade, como se ela fosse a única. Até que surge a tempestade...

... O mar fica revolto, a concha treme, quebra e a água começa a inundar seu interior. E o lugar “mais seguro do mundo” se foi...

Agora, lá está você: exposta ao grande mar, onde estão todos os outros, todas as coisas — as que você mais ama e as que você mais teme — mas há muitas outras coisas; coisas que você sequer via, afinal, a concha não tinha janelas!

Você abre os olhos, devagar, receoso e... “uau”— Percebe que há milhares de conchas no mar, algumas semelhantes a sua, outras até piores: enterradas na lama, seres totalmente invisíveis aos olhos do mundo.

E há tantas coisas sobre o mundo que você não sabia! Tantas cores, sabores e sons, tantas nuances, seres de todo o tipo, pessoas que se importam — Sentimentos — Você percebe que fazia falta... Percebe que sentia falta... Você sente. E a vida parece voltar a pulsar em você — uma fagulha que sempre esteve ali, abafada, agora brilha e arde em chama — você sorri e corre ao mar:

—Vamos quebrar as conchas! — as conchas imaginárias.

As paredes da prisão às vezes são muito duras para se derrubar sozinho, mas adivinha: por mais que se tema, por mais que se tente, nunca se está inteiramente sozinho.
— Quebre a concha!

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