CRÔNICA - Música para ouvir





Crônica Publicada no Carderno "Mulher Interativa" - Jornal Agora - maio/2009
Ilustração: Lorde Lobo






Antes de qualquer coisa, pense numa música.
Uma trilha sonora para a leitura desta crônica – eu até poderia indicar alguma, mas não quero influenciar sua escolha
– E aí, pensou? Ou já estava com alguma na cabeça? Neste caso, melhor ainda!

Já percebeu como algumas músicas invadem nosso pensamento, (geralmente as ruins e em um único trecho que se repete sucessivas e infinitas vezes) e quanto mais lutamos para ignorá-las, mais insuportaveis elas se tornam – é a teoria da “música parasita” – conhece? Provavelmente não (inventei agora).

Pode afetar qualquer indivíduo com capacidade auditiva, independente da idade.
A duração varia entre alguns instante e semanas (ou até mais, em casos mais graves). Os principais vetores de contaminação são: jingles publicitários de todo o tipo (inclusive, e de grande periculosidade, aqueles emitidos pelos caminhões de gás), toques de celulares alheios, além de vizinhos e amigos de péssimo gosto musical que teimam em “compartilhar”, mesmo contra a sua vontade, a última música daquela banda, ou cantor que você detesta.

Há quem lance mão do velho ditado “se não pode vencê-los, junte-se a eles”, deixando a tal musiquinha rolar e até cantarolando-a, o dia inteiro, na esperança de contaminar outro inocente e assim, talvez livrar-se “do mal”. Eu proponho outra estratégia: começar o dia escolhendo uma trilha sonora para embalar seus passos e pensamentos antes de ser pego de surpresa por uma dessas melodias mal intencionadas!

É incrível o quanto a música se relaciona com nossos sentimentos. Pode tanto refleti-los quanto influenciá-los. Às vezes, sua letra parece ter sido escrita para nós – e até nos apropriamos de um trecho para expressar nossas idéias em conversas ou declarações de amor. Noutras, é o ritmo que nos seduz (especialmente nas músicas estrangeiras cujo idioma não nos é familiar) e muitas vezes quando descobrimos o que elas realmente dizem, o encanto se vai.
Nos sentimos traídos por ficar cantarolando alegremente um “lá lá lá, tunti, tunti” que na verdade quer dizer coisas horríveis ou obscenas (mantenham as crianças longe do hip hop).

Fora estes pequenos incidentes, as músicas costumam ser excelentes companheiras e cada vez mais presentes em nossas vidas. Nossos agradecimentos aos avanços tecnológicos que encolheram os enormes Walkmans em Diskmans, e estes em “mpcoisa” (3, 4, 5, mil) e celulares com a mesma função. O fato é que, para onde quer que se olhe encontra-se orelhas com fones acoplados – tem pra todo gosto e tamanho – parecem ter virado item obrigatório. Talvez daqui a pouco inventem um chip que se insira atrás da orelha e pronto: “zilhões” de músicas carregadas por energia cinética! Seria o fim da conversação trivial que antes se estabelecia com mais frequência em lugares públicos, como ônibus, filas e salas de espera e hoje e tão rara que causa estranhamento.

O mais comum é ver pessoas caminhando lado a lado, silenciosamente, com seus fones, olhares e mentes distantes, viajando em seu ritmo particular e individual. Você nunca tentou adivinhar, pelo rosto de alguém, “o que provavelmente ele está ouvindo?”, numa dessas horas fatídicas em que acaba a batera do seu próprio mp3 e você se vê obrigado a matar o tempo de outras formas. É um jogo bem divertido, mas infelizmente, para saber se você ganhou ou perdeu, seria preciso tirar o “alvo” de sua viagem auditiva e pedir educadamente a resposta.
É bem provável que ele o ignore – afinal, está ocupado – mas, com sorte, você pode acabar dividindo um fone, e assim conhecendo novas e inusitadas músicas e pessoas!

Leve a música consigo, só não deixe que ela o leve para longe demais.
E então, já decidiu qual será sua música de hoje?
Aí vai um trechinho da minha:

“...Música para esquecer de si, música pra boi dormir.
Música para tocar na parada, música para dar risada.
Música para ouvir, música para ouvir, música para ouvir...”
* Arnaldo Antunes - Música para ouvir

Comentários

marcia szajnbok disse…
... a minha de hoje é: eu não ando só, só ando em boa companhia, com meu violão, minha canção e a poesia...

uma pitada de cultura inútil: alemão, que é aquela língua que tem uma palavra pra cada coisa, chama essa musica que não sai da cabeça de Ohrwurm, literalmente, verme de orelha... de modo que tua teoria da musica parasita já foi inventada!!! rsrsrsrs

beijo!
Ju Blasina disse…
Que ótimo, Márcia!

Então mesmo sem saber, dei uma dentro! É como eu digo e repito inúmeras vezes: a ignorância é uma benção! (risos)

E como "verme" (helminthos) e "parasito" (o nicho ou função)são coisas distintas, biologicamente falando, acho que não podem me acusar de plagio...ufas! (risos)

Beijus e Obrigado por ler e comentar.