Meia hora de praia - Crônica








Publicada no Caderno
Mulher Interativa
Jornal Agora - 30/Jan/10

Ilustração: Lorde Lobo








Ela acorda num belo domingo de sol. Dia tão perfeito para a praia que contraria a previsão do tempo e a pega desprevenida. É preciso correr! Pega o telefone, liga para as amigas, acorda a família, prepara o café, arruma as crianças, acorda o marido — dessa vez com sucesso — serve o café e parte para o ritual: banho, depilação, veste um biquíni, troca o biquíni, tira o biquíni, tenta um maio e acaba de volta ao primeiro biquíni, devidamente escondido sob a longa bata. Agora, só faltam alguns detalhes.

— Dentro de meia hora estaremos na praia — estima ela, com todo o otimismo de quem anseia pelo primeiro bronzeado do verão, enquanto prepara a bolsa com umas coisinhas básicas: bronzeador, bloqueador e protetor solar para o corpo, rosto, cabelo e lábios, três fatores de cada um. Toalhas, chapéus, chinelos e roupas extras. Pronto! Agora só faltam os detalhes: esteiras, cadeiras, guarda-sol e isopor — que ainda está vazio, sinalizando um problema no checklist.

— Querido, o isopor!

O marido que, ainda sonolento, bebia pacientemente seu café recém iniciado, até então ignorando a pressa da mulher, responde:

— O que tem ele?
— Por enquanto, nada! Esse é o problema.
— Já tô indo — diz ele, sem manifestar sinais de aceleração.

É hora de chamar a trupe para encher o carro. Verifica as crianças, que a essa altura se dispersaram e já não estão mais tão arrumadas e, enquanto eles procuram seus baldinhos, ela percebe, para sua total alegria, que o maldito isopor ainda não está no carro. Mas antes que grite novamente, o marido avisa orgulhoso:

— Tá quase pronto, só faltou as tuas coisas! 

Ao verificar, ela descobre que as “suas coisas” são tudo aquilo que não for cerveja. Agora sim, tudo pronto! Ufa... Até que enfim, a estrada. Mais meia hora e estarão na praia!

Ledo engano... Estrada engarrafada, ar condicionado quebrado e sol infernal. Para completar a receita, a filhinha avisa:

— Mãe, tô enjoada.
— Espera só um pouquinho, filhinha, que eu já te alcanço o remédio.
— Hm, acho que é tarde demais...
— Querido, para o carro!
— Não posso parar aqui! Filhinha, segura aí!
— Xiii, é tarde demais mesmo, éca! — exclama o filho, que divide o banco com a irmãzinha.

O carro é estacionado, a filha chora, o filho protesta, a mãe limpa e consola as crianças, o pai limpa e consola o carro. Meia hora depois e a família segue viagem. Lá se foi metade da manhã! Outra meia hora se passa até que o marido avise: praia à vista!

Uns trinta minutos de peregrinação em busca de um bom lugar ao sol, e lá estão eles: montando acampamento na tão desejada praia! Outra meia hora se vai entre o tentar localizar os amigos, o organizar das coisas e o besuntar da família, até que ela esteja, enfim, apreciando a sensação dos primeiros raios de sol sobre a alva pele da sua barriga, enquanto as crianças brincam na água e o marido lê seu jornal, sentado à sombra do guarda-sol.

Meia hora depois e o marido, que já terminou a leitura, comenta o aproximação das primeiras nuvens, para o desespero dela, que as tenta afastar com a força do pensamento. Inutilmente... Cerca de trinta minutos depois e as nuvens ganham companhia. O filho reclama de fome e a filha foi queimada por uma mãe d’água. Pronto: lá se foi a manhã de sol!

A última meia hora de praia da família é gasta carregando o carro para partir rumo à sombra da área de alimentação. Os meninos vão contentes, as meninas, emburradas — ambas queimadas de um lado só.

E ela ainda tem que ouvir o otimismo do marido, que tenta animá-la, dizendo:

— Tudo bem, querida, não fica triste. Domingo que vem tu deita de bruços! Pelo menos foi divertida nossa meia hora de praia, não foi?

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