A Beata - Conto

 Imagem: Audrey Kawasaki 


Beth aparentava a típica beata: os cabelos longos, já sem corte, geralmente guardados em trança, tocavam-lhe as coxas cobertas por saias que terminavam junto aos joelhos, sempre marcados pelas tantas horas em devoção. Usava camisas largas, na tentativa frustrada de esconder os seios fartos.
 
Sempre abotoava até a última casa, sempre rezava até a última conta. O terço de madrepérola que carrega no pulso e o crucifixo do pescoço eram as únicas jóias que exibia com orgulho. Percebendo isso, rezava para afastar tal sentimento egoísta.
Rezava também para atrair a aprovação dos céus, para perdoar aqueles que lhe caçoavam, para castigar os que blasfemavam, para acordar e para dormir. Rezava para tudo! Antes de cada refeição, antes de cada relação — rezava muito para satisfazer ao marido, tão exigente. E tendo as preces atendidas, rezava ainda mais depois.

Era a primeira a chegar à igreja e a última a sair. Não se misturava as outras beatas que lhe invejavam a olhos nus, tamanho cabelo, tamanho fervor, tamanha disciplina, e secretamente, tamanha beleza, tamanha casa, tamanho marido.

Ao avistá-la adentrando a igreja, o padre sempre fugia temendo o pedido de outra confissão. Tão temente era ela... Não omitia um detalha sequer de seus pecados. Contava ao padre tudo, em seus mínimos detalhes. E pecava, a noite toda, toda a noite... As demais beatas, na tentativa de proteger o padre daquela monopolista religiosa, faziam fila à porta do confessionário. Mas Beth era abençoada pelo dom da paciência e não esmorecia jamais!

Só o padre sabia o porquê de tanta oração, dos cabelos tão longos e bem cuidados, do corpo tão escondido nas roupas comportadas. O padre e o belo marido sadomasoquista. O último gostava de puxar-lhe os cabelos enquanto a penetrava. O primeiro não confessava, mas gostava de imaginar a cena. O sexo violento, que tanto agradava a ambos, tinha seu preço nas marcas deixadas no corpo e na alma da beata. Sorte que, para os pecados havia as orações, e para os hematomas, pomada. A reza era a pomada de sua alma e o padre, o doutor que a prescrevia. E todo dia ela precisa de uma nova dose.

Não falhava uma missa sequer, para desespero do padre, desgosto das outras beatas e principalmente, satisfação do marido — o que para ela, era tudo o que importava. Que Beth, a beata, era uma boa esposa, disso nem Deus discordava. Já se era tão boa enquanto beata, depois de tantas confissões, até o padre tinha lá suas dúvidas...

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