Assombrados

by Audrey Kawasaki
Na prática, se não sabia, ela bem que desconfiava onde poderia ficar o lugar que ele tanto buscava. Só no imaginário é que não. Via ela nos olhos dele uma ânsia que beirava o absurdo. E nele ela brilhava feito chama! Não era um brilho comum, era o brilho de quem anseia mais do que quer. Via os medos dali fugirem num piscar ou noutro de olhos, entre sorrisos e beijos - verdadeiros, todos ele, os sorrisos, os beijos, as fugas, os medos, os olhos, os dois. E ela ousava saber-lhe os segredos, ousava tirar-lhe os medos, ousava ser mais do que ter. Só não ousava saber além do que julgava ser capaz de conter. E entre o querer de um e o poder de outro, nada secretos estavam eles, os sonhos... Sonhos que o despertar repudia. E era na sombra da distância que separava tais coisas que os problemas encontravam brechas por onde espreitar. No mesmo espaço onde a vida esperava a chance de acontecer. Inevitavelmente, um comeria o outro. Era tudo uma questão de tempo... Nenhum dos envolvidos pretendia lançar mão da primeira aposta. Antes ser assombrados por dúvidas que livres de tudo, livres de todo... o resto, é resto.


NOTA: Inspirado no poema "Lar em Sabeonde", de V. Camargo Junior, publicado no Balcão das artes impuras. 

Comentários

Anônimo disse…
De que são feitos as assombrações, as apostas, os problemas, os sonhos, os medos,os anseios, o imaginário, os lugares (a vida)? Muito provavelmente - ainda que ninguém tenha como dar provas, a não ser provando - são feitos da mesma matéria que a poesia: o tempo.

Eis aqui mais um que dará muito o que fazer e muito o que pensar aos teus biógrafos - esses que estudarão o teu tempo, e o que fizeste dele.

Afinal, tudo é uma questão de tempo.
Jack disse…
o resto é resto e é a única certeza.