(In) Decisões -Crônica

Crônica publicada no caderno
Mulher Interativa - Jornal Agora/RS
Abril/2011 // Ilustração by Lorde Lobo
Quarta-feira da semana santa, véspera de feriado – Tiradentes – e prévia de Páscoa. O tempo parece incerto, todo ele: do climático – que oscila em ondas úmidas de um ar quente extremamente inapropriado, tanto aos cabelos recém-escovados, quanto aos chocolates recém-embalados – ao cronológico, da fila que parece aguardar numa euforia estática do lado de fora da loja de trufas, espreitando os últimos itens que, pouco a pouco, se esvaem das prateleiras dos presentes de última hora.

Haja paciência, santa paciência, como tudo o que se segue em tal semana. Especialmente os chocolates, santos chocolates, prazeres divinos que, conforme sugere (ou ordena?) a data, devem ser doados sem que se espere qualquer retorno, mas, caso seja retribuído o carinho de cacau, é de bom tom aceitar, agradecer e fazer o sacrifício de comê-lo.


Consumir os presentes provenientes das escolhas alheias é a tarefa mais fácil dessa data. Fácil, deliciosa, porém onerosa: se o peso do consumo exacerbado (de chocolates, entre outras coisas) não cair sobre a consciência, cairá inevitavelmente, mais tarde, sobre a balança. E aí estão dois exemplos apropriados dos ensinamentos religiosos que a data recupera: a culpa seguida pela penitência...  

Haja paciência, santa paciência!

Uma vez tomada uma decisão – mesmo uma das mais simples, como a degustação indisciplinada das delícias de Páscoa – é preciso prepara-se para arcar com suas inevitáveis consequências. Há quem decida assumir uma ignorância consciente e alongá-la pelo tempo que for permitido, comendo, gastando e vivendo como se não houvesse amanhã, ao menos até que o amanhã venha, trazendo consigo uma enxurrada de realidade estraga-prazeres. Aí, resta fazer o controle de danos e torcer que os prazeres proporcionados pela imprudência tenham valido a pena. E há os precavidos – que valem por dois e preocupam-se por dez – que avaliam, calculam e planejam os atos, prevendo destes os gastos e, assim, evitando – ou adiantando e parcelando em suaves prestações – futuras intempéries.

A fila anda, a porta se abre e a loja, que oferece opções já um tanto limitadas, pelo adiantar da hora, recebe, enfim, mais uma cliente – apressada, ansiosa e indecisa – igual a todas as anteriores e as que estão por vir. As prateleiras, já escassas de sabores embalados, contrariam o consenso popular, provando que, em algumas situações, quanto menores as opções disponíveis, mais difícil é fazer a escolha certa... Certa de que aquela é mesmo a melhor decisão, e não apenas a melhor dentre aquilo que se tem, pois

numa cesta de itens ­– sejam eles frutas, sejam eles trufas – podres,
lançar mão de um menos tocado não o torna íntegro.

E se fazer uma escolha para si mesmo já é uma tarefa árdua, escolher o presente alheio, então... É o tipo de coisa que faz com que as filas andem mais devagar, enquanto a cliente vaga, sem pressa, entre suas opções e suas (in) decisões, quer sejam de vida, quer sejam de Páscoa. E cresce a fila dos que aguardam ansiosos, ainda do lado de fora, para, em breve, fazer o mesmo.

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