O nascer de uma mãe -Crônica

Crônica publicada no caderno Mulher Interativa 
Jornal Agora/RS - Maio/2011

Algo inexplicável acontece a uma mulher no momento em que ela cruza a barreira que a converte de filha em mãe.
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[Como explicar o inexplicável é inconcebível e conjecturar em torno dele só nos traria perguntas e essas, por sua vez, podem até trazer uma riqueza de possibilidades em seu interior, mas, sem parir respostas, não geram crônicas e tendo este texto a pretensão de para crônica crescer, o inconcebível não nos cabe – talvez até coubesse, num esforço mútuo de autor-leitor, mas, na certa, não nos cairia bem. Fiquemos então com a mulher transformada, sem que se esmiúce o processo. Temos uma mãe, e é isso o que aqui importa].

Ocorre uma mudança de paradigma através de um “saber-se” que se amplia e aprofunda o sentir. Citando Balzac, "o amor maternal faz-nos ver que todos os demais sentimentos são enganadores." – se não enganadores, ao menos superficiais – outros amores, por mais eternos e intensos que possam ser, esperam retornos, avaliam respostas e competem com o amor-próprio para coexistir, enquanto o amor materno consegue ser incondicional e inextinguível. Ainda que os filhos cresçam, ainda que eles tomem da mãe distância, ainda que eles partam, para tempos ou lugares inacessíveis, ainda que eles já não existam – e estranhamente, ainda que jamais tenham nascido – uma vez atravessadas a barreira da maternidade, a transformação é irreversível.

Qual é o momento exato essa metamorfose ocorre numa mulher? Quando, afinal, nasce uma mãe? No momento do parto, definitivamente, não. Muitas dão a luz sem jamais serem iluminadas por ela. Enquanto outras são mães sem jamais terem gerado um filho. No momento da concepção? Talvez, mas não a concepção biológica da vida, até porque a consciência desse momento é mais mito do que fato. A concepção de um filho e, consequentemente, de uma mãe, se dá, acima de tudo, no plano das ideias. No pensar-se mãe, no escolher de um nome, no imaginar de um rosto, de um futuro, no conceber, mentalmente, a existência de um novo ser, uma nova vida – para si mesma.

Sinais de que esta transformação, ainda que distante, está a caminho, podem vir de um interesse repentino em vitrines de lojas infantis, do encanto exacerbado por filhos alheios ou até mesmo, de maneira mais drástica, da geração dos primeiros filhos imaginários. Por mais inadmissível que o feminismo torne essa verdade, a maioria das mulheres só se percebe irreversivelmente apaixonada, quando começa a vislumbrar os filhos que uma nova união – ainda que meramente afetivo-sexual, e não necessariamente social – poderia gerar. E mesmo que esta união se mostre infrutífera, os supostos filhos ficam lá, guardados em algum lugar dela, com faces mutáveis e nomes próprios que não mais poderão batizar filhos de verdade.

Infinitamente mais complexo é o sentir deixado por uma gravidez interrompida, uma vez que esta tenha sido percebida e bem-recebida por todos os sentidos de uma mulher. Ela, assim como todas aquelas mães que levam consigo filhos na memória, na saudade ou no desejo de um fato inconcebido, atravessou a barreira e, portanto, mesmo que sem a permanência de um filho que outros possam ver, soube-se mãe. E uma vez mãe, sempre mãe – pois esse é um título irrevogável e um sentimento inconfundível!
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Um feliz Dia das Mães para todas aquelas que assim se sentem.

Comentários

Anônimo disse…
Muito triste, porém, com muita honestidade. Como em tudo o mais. Excelente crônica.