Vermelha, sim, mas... de quê?






Publicada no Caderno Mulher Interativa do Jornal Agora-RS, de maio de 2011.










Na primeira segunda-feira de maio, dia 02, promovido por um grupo de eco-feministas-espiritualistas, aconteceu a “Segunda Vermelha” – campanha em comemoração ao dia da menstruação, celebrado mundialmente em 18 de outubro. Mas, peraí... Celebrado? Comemoração? Dia do que mesmo? Sim, da própria, da “maldita” menstruação! Tratava-se de um ativismo menstrual promovido, no Brasil, pelo Coletivo de Mulheres Clã Ciclos Sagrados, de São Paulo, com o intuito de promover a valorização da menstruação em vários aspectos, incentivando as mulheres a cuidar de sua saúde íntima e reprodutiva e encontrar o poder e a harmonia feminina através de um bom relacionamento com a “querida”.

Ao levar uma matéria a respeito do assunto para o blog do Caderno Mulher [aliás, acesse, comente e divirta-se], me deparei com um enorme preconceito proveniente dos lugares menos esperados – é inegável o sentimento de repulsa que eu mesma senti ao imaginar-me trocando os tradicionais absorventes íntimos pelos coloridos, simpáticos e, até então, desconhecidos por mim, coletores menstruais – uma das formas ecologicamente corretas propostas pelas ativistas para a contenção do fluxo. Se bem que, “contenção” não deve ser a melhor palavra para quem busca o “poder vermelho”... Para o “recebimento do fluxo” deve soar melhor.

[Devo admitir que tenho um certo medo de ativistas e extremistas de forma geral. O que eu puder fazer para manter deles distância ou, quando esta se torna irreversivelmente estreita, conquistar alguma simpatia, farei. Pessoas dessa lavra não costumam ignorar nada nem ninguém ao seu redor – delas, ou se é seu aliado, ou se é inimigo. E de inimigos que andam em grupos e levantam cartazes pesados nas mãos, eu tenho é medo, muito medo! Já pensou o tamanho do dano provocado por uma ‘cartazada’ na cabeça? Ou, nesse caso, pior: mulheres que lidam com sangue, devem ter parte com bruxaria! Se tiver um gato preto de estimação, então... melhor verificar-lhes os lóbulos das orelhas! Na dúvida, sorria e acene, sorria e acene...]

Entre as alternativas propostas pela campanha está o retorno dos absorventes de pano. Sim, as saudosas “toalhinha da vovó”. Saudosas, pra quem? Baseada nos relatos que ouvi de mulheres de uma geração anterior a minha, posso afirmar que elas foram úteis, mas foram, graças aos céus dos quais dependiam para serem quaradas, foram... sem deixar a menor saudade! Assim como o constrangimento que a função de “lavar-quarar-secar” causava – somado ao constrangimento que sempre foi o simples ato de menstruar. Simples, natural e inevitável. Então, por que diabos deveria haver constrangimento? Dever, não deveria, mas há, e não é algo simples de se lidar, especialmente quando se é menina “recém-mocinha”, mas pode se tornar evitável, assim como hoje pode ser a própria menstruação – há, no mercado farmacêutico, uma variedade imensurável de pílulas capazes de operar “maravilhas” no organismo, consulte o seu médico!

Dos meus tempos de “recém-mocinha” guardo, também sem a menor saudade, a lembrança do terror que era levar um absorvente na mochila da escola... Era como transportar algo ilícito – ninguém podia sonhar com isso! E como fazer para levar a mercadoria até o local de uso, no caso, o banheiro feminino? E como fazer uso de forma imperceptível? E o pior: se a necessidade se tornar imediata e o compartimento secreto da mochila estiver vazio? Neste caso, é preciso recorrer a terceiros, atravessadores, comparsas: formação de quadrilha! E o risco, de ser pega em flagrante pela guarda sempre alerta dos meninos impiedoso, aumenta... Definitivamente, o crime não compensa!

E não bastassem todas as questões práticas que se leva anos para aprender a lidar - e os tantos traumas oriundos dessa fase a superar – ainda tem que se aturar uma série de preconceitos e mitos acerca do assunto. É como se a menstruarão fosse uma chaga – antigamente, não se podia lavar a cabeça pelo tempo que durasse a “visita” e nem ficar muito na cozinha: até os bolos desandam! É como diz a piada:
 “Eu não confio em mulher. Um bicho que sangra por 7 dias e não morre, não pode ser coisa boa”. Por favor, menos, bem menos... menos dias e menos ignorância!

Ainda assim, lá estão as eco-feministas, pregando a valorização da feminilidade pelo reconhecimento do poder oriundo da menstruação. "Vivemos na cultura do desperdício, tudo é descartável. Quem aqui não joga sangue no lixo?", perguntou uma das palestrantes da Segunda Vermelha. Essas mulheres corajosas merecem, sim, os nossos parabéns! Regar as plantas com o sangue que o corpo descartou, definitivamente, não é tarefa para qualquer uma. Assim como não o é tomar a decisão de interromper o fluxo submetendo o organismo a fármacos. Assim como também não o é fazer uso de modernos e compactos absorventes íntimos, “que não marcam a roupa e não limitam os movimentos”, expondo-se ao risco, ainda que raro, de um SCT*. 

Fotografia de Jairo Tx - Modelo JuB.

Cada uma de nós sabe o que lhe é mais confortável e conveniente!

Radicalismos à parte, que o vermelho não seja mais a cor da vergonha, da raiva, da “coisa ruim”. Demos nomes aos bois: a menstruação não é nada demais - nem de menos. Que vermelho seja a cor do poder! Poder este que me parece melhor ostentado numa bela combinação de esmalte e batom, mas, cada uma ponha o seu vermelho onde bem quiser! 


Só não me venha dar com um cartaz na cabeça, sim. Obrigada!




*Síndrome de choque tóxico (SCT) - doença rara, mas potencialmente fatal, causada por uma toxina bacteriana - devido pelo uso de absorventes internos.

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