O que um gato pode comer

NOTA DA AUTORA - PARTE 1: Gatos não podem comer: chocolate e doces em geral, comida temperada, comida que não seja feita para gato e ponto! O que um gato não deve comer: coisas cruas, determinadas plantas e insetos, por mais apetitosos que esses possam parecer - o mesmo vale para brincos e outras pedras brilhantes, folhas de livros e revistas, assentos de cadeiras ou qualquer tecido que revista pessoas ou os móveis delas, e etc, etc, etc!!!  

E o que um gato pode comer??? Hm... Eis a questão!

Ilustração de Lorde Lobo - Crônica Publicada no caderno Mulher Interativa do jornal Agora

Semana começou com um frio tremendo – e põe tremendo nisso! Poucos dias tremidos depois, minhas narinas tornaram-se inúteis para o que se espera delas, dificultando toda e qualquer inspiração. Minha cabeça doía e outras partes, entre ela e o dedão do pé, também. A umidade do ar tornava estranho o meu cabelo, e o meu humor, nem se fala – o que, em tais circunstâncias, não se admira. Desejei reiniciar a semana! E ela, por sua vez, desejou reiniciar a mim. E o fez!

Convalescença – definição enciclopédica: substantivo feminino, associado à medicina. Período de transição entre a doença e o restabelecimento das forças e da saúde. Ou, segundo uma convalescente: período em que o simples ato de exercer a liberdade de ir e vir não se mostra tão simples e muito menos livre quanto se diz ser! É também um momento de introspecção e, em alguns casos, de reclusão e isolamento, ainda que forçados. E é quando estamos sós, e, pela primeira vez, adoecidos, que percebemos a falta que um par de braços, outro de pernas, ambos úteis, podem fazer!

Por mais visitas que um período de desgraças possa atrair, quando se divide a casa com um animal de estimação, resta a ele a tarefa de nos fazer companhia em tempo integral e, ainda que por falta de opção, ele o faz – e o faz melhor do que qualquer humano poderia fazer! Tanto que acaba por simular um convalescer parecido com o nosso, seguindo a teoria de que sofrer acompanhado é um pouco melhor do que só! Ter uma gata como enfermeira é algo bem... interessante, mas tem lá seus contratempos: vez ou outra ela sai a pisotear sua amada paciente, nunca alcança o que é preciso (outro dia, lhe pedi um cappuccino, e ela, trouxe?) e além de tudo, ainda é preciso deixar a cama esporadicamente para lhe limpar a areia, levar a água e ver a comida – sim, ver, pois a comida lá está, ela é que, só, não gosta de comê-la - e quem gosta? Eu, não!

E enquanto os humanos – apressados, ocupados, irritados – vêm e vão, a vagar pela casa, em breves visitas a circundar minha cama, com ares exagerados de leito de morte, ou em breves e vagas ligações, mensagens, memórias – em minha vida, ela permanece, imóvel, a zelar meu sono com se fosse o seu. È impossível estimar quanto vale um amor assim.

E há quem questione a lealdade dos felinos...
Há quem questione coisas demais por aí!

Doenças oportunistas são uma forma nada sutil do universo nos dizer “sim, você quebra, não, isso não é difícil e, só para lembrar, essa coisa fofa na qual você está sentado é a palma da minha mão, portanto, seja educado, filhinho!”. Sendo assim, nada nos restar a fazer a não ser reclamar, esbravejar aos quatro cantos, até perder a voz, ficar sem forças e adormecer quietinho tentando escorrer novamente por entre os dedos daquela bruta mão que nos mantém prisioneiros. São também bolas de ferro invisíveis que repentinamente se prendem a um pé, antes saudável, mas que, seja por sorte ou bom uso de uma série de fármacos, com a mesma pressa com que vêm, vão, deixando pra trás um pequeno rastro, senão de sequelas das mazelas, de lições que só se aprende com elas – eu ganhei uma delas:

A de que não é na saúde, mas, sim, na doença que percebemos quão fortes são os laços que atam uns aos outros. E que a maioria dos laços formados entre leves sorrisos podem ser desfeitos com breves espirros, enquanto laços feitos no silêncio de um olhar felino, estes, continuam firmes. 

E se me perguntassem “por quê?”, eu mentiria, dizendo que “um gato comeu minha língua!”, quando, na verdade:

um gato comeu minha dor,
com uma espécie de amor que nunca finda.

Rukia, "olá, enfermeira!". Foto by Ju B.


NOTA DA AUTORA - PARTE 2: A autor passa bem, obrigada, aceita mimos despretensiosos e afirma que a doença não deixou sequela alguma, além das citadas neste texto. A gata, se recuperou com sucesso - e aceita, feliz, a veneração dos seus humanos! Obrigada!

Comentários

Renato disse…
Bonita homenagem!! Pena que a bichana – presumo – [ainda] não saiba ler...rs
Shana Corrêa disse…
Deixo aqui meu 'mimo' à escritora junto com um beijinho e a palavra saudade.
Para a gata o que mais me resta a não ser a óbvia veneração de mero humano que sou?!
Carla Ceres disse…
Que charmosa essa enfermeira! Linda foto! Ju, adoro gatos e já passei por essa situação de ser cuidada por um deles. Foi uma semana de febre e o gato não desgrudou até eu melhorar. Esses bichinhos nos amam de verdade.
Parabéns pelo texto! Beijos!