Contagem regressiva

Crônica publicada no Mulher Interativa do Jornal Agora // Ilustrada por Lorde Lobo


Chegamos ao fim de mais um ciclo: um período de 365 dias distintos, o tempo distribuído em porções tal qual gavetas de um mesmo armário ao qual chamamos de ano. Chegamos ao fim de mais um ciclo e, consequentemente, o começo de um novo. Nessas horas, as últimas que precedem o inverter da ampulheta, é preciso criar espaço para guardar aquilo que está por vir: limpar gavetas, ainda que metafóricas.

Dizem que papel velho estagna a vida - não só guardar um punhado deles, mas ocupar um que já não faça sentido, também - e quanto a acumular sentimentos inuteis? De vez em quando é preciso fazer uma limpa em todos os espaços onde o passado se esconde. Abrir os armários e neles, caixas lacradas e nelas, envelopes propositalmente esquecidos e nestes, velhas feridas.

De vez em quando, é preciso se desfazer de um tanto de bagagem e do peso que ela acarreta...

...largar tudo aquilo que não já presta, que só faz ocupar espaço para, então, seguir em frente com passos leves e mãos livres para segurar aquilo que realmente importa - ainda que fossem bonitas as caixas, ainda que os envelopes guardassem em si lembranças mumificadas, tal qual um sarcófago de memórias.

Por mais duro que seja o exercício do desapego, de vez em quando é preciso encará-lo, antes que tenhamos que fazê-lo involuntariamente. Com o tempo e a prática que ele traz, acaba-se por descobrir que chorar não derrete, não mata, não achata, mas que sufocar por muito tempo um grito na garganta pode nos emudecer de vez. E que pôr o outro sempre em primeiro lugar acaba por nos tornar o último - e não se pode ser o último na própria vida.

É triste que o endurecer seja parte tão importante do amadurecer, mas, é: ou se aprende a parar de sofrer as dores alheias, dores passadas, dores por nós mesmos alimentadas, e lamentar por derrotas que jamais serão mudadas, ou se é esmagado lentamente de dentro para fora, até que só reste uma casca fina que qualquer sopro leva ao longe. Em um dado momento o endurecer se faz necessário:

É preciso manter raízes fortes presas ao chão e, ainda assim, crescer... ser alto o suficiente para ver - e ter olhos abertos a reconhecer- a beleza do enorme céu que faz de nós tão pequenos.

De vez em quando é preciso desfazer-se e começar tudo de novo. Comecemos logo a contagem regressiva, deixando para trás todos os números até que só reste um - no fim, vale lembrar que somos ímpares - 3, 2, 1:

Feliz Ano Novo!
***

NOTA DA AUTORA: Completo neste ciclo três anos de participação no caderno Mulher - e na chegada do novo, três anos de P+2T! A todos os leitores que me acompanham lá e cá , meu muito, muito obrigada!

Comentários

Milene disse…
É, limpar faz parte. Abrir espaços para receber coisas boas! :-)
Sensacional teu post!!!