Natureza Perdida

Ilustração de Lorde Lobo. Crônica publicada no cad. Mulher Interativa, JAgora, fev/2012

A gravidez é um processo biológico natural para o qual todas as mulheres nascem equipadas, física e psicologicamente, ainda que o livre-arbítrio lhes dê a opção de vivenciar tal experiência na pele ou não. Certo? Em partes. Desde que as parteiras domiciliares e seus saberes empíricos foram substituídos pelo GO (ginecologista-obstetra) e a medicina moderna, muita coisa mudou. E o aparato biológico tem se revelado menos autossuficiente do que se supunha.

O que seria de uma grávida sem um pré-natal decente?
 Estaria ela e o bebê a mercê de um parto às escuras − algo inadmissível em tempos em que a vida está submetida a mais riscos que uma mão na barriga seria capaz de prever, por mais experiente que fossem elas, as mães e as mãos das parteiras. O pré-natal é como uma luz no fim do túnel − ou uma lanterna a bisbilhotar as portas dele.

Não que gravidez seja doença, mas os efeitos colaterais que a acompanham podem ser tão incômodos quanto. Dores de cabeça constantes − ou nas costas ou na pélvis ou nas pernas ou em lugares ainda mais inusitados ou um combinado delas − náusea, vômitos, prisão de ventre, gases, hemorróidas, cólicas, câimbras, contrações antes da hora... A lista tende a crescer em itens e gravidade, à medida que o grande momento se aproxima, mas... Não há o que temer: é tudo absolutamente natural! 

E enquanto um corpo se esforça e desgasta na incrível tarefa de gerar uma vida dentro de outra, todos os que não estão fazendo o mesmo parecem ter uma receita infalível contra os incômodos comuns ao período. Um, antes inofensivo, “chá-disso-com-aquilo que é tiro e queda contra todo o mal”, pode ser agora ser mais tiro e queda do que nunca, porém no alvo errado − pode atuar como uma explosão atômica a abalar a suposta segurança intrauterina. Não vale a pena arriscar. Quando mal orientada e pouco embasada, a melhor das intenções pode representar o pior dos riscos. 

Sorte que nos dias atuais se tenha a ciência necessária a auxiliar naquilo que a natureza parece meio atrapalhada para fazer sozinha: analgésicos seguros, suplementação vitamínica e outros fármacos inofensivos, quando administrados sob o olho vivo e sabido de um especialista, podem representar uma grande mão a desemperrar a roda da vida. Alguns exames simples feitos ao longo da gestação podem demonstrar a presença de bactérias que além de fazer coçar e arder, por menor que sejam, podem representam um perigo considerável, se não combatidas com eficiência. Algumas pequenas boletas de suplemento alimentar, se ingeridas conforme a necessidade aponta, podem ser cruciais – porque, não, nem mesmo a melhor alimentação dá conta do recado extenso e criptografado que o corpo sob esse processo envia.  

E assim, a vida segue seu curso: uma a crescer e se desenvolver e a outra a suportar a desgastante demanda que isso implica. 

Incrível que num passado nem tão distante assim tantas mulheres tenham dado à luz tantas e tantas vezes sem uma interferência qualquer! E comiam e bebiam sem qualquer preocupação ou modificação de hábitos. Impressionante que muitas delas ainda o façam, mais por ignorância que por falta de opção. Lamentável que, por conta disso, um parto possa ser causa mortis e não apenas causar vida, como a natureza tão bem planejou – mesmo o melhor dos planos precisa de uma execução minimalista para atingir o melhor dos resultados.

Nenhuma mulher deveria submeter a si mesma a um risco desnecessário. Nenhuma mãe deveria querer para seus filhos algo menos do que o melhor. E as melhores não querem! E se a mãe natureza está mesmo entre elas, encabeçando o topo da lista, nem mesmo ela precisa ser perfeita, mas, sim, ter a humildade de admitir que, quando a coisa complica, uma ajuda, mais do que bem intencionada, devidamente preparada, é muito bem-vinda!

E que seja natural fazer de cada vida, nada mais, nada menos que o seu melhor!

Comentários

Carla Ceres disse…
Amei seu texto, Ju. Uma gravidez tranquila pra você! Beijos!