Onde quer que seja

Art by Sabine Pieper

O tempo me chega
pelos
ouvidos

e me pega
pela mão
como se eu fosse

uma criança
perdida
numa casa vazia

não fossem os móveis
pouco a pouco
descobertos

de seus panos
quentes
brancos

para que (?)
novamente possam ser
(re) cobertos

daquilo que o vento traz
daquilo que a gente faz
e que o tempo permite

que se acumule
estaticamente
esteticamente

sobre eles, sobre nós
há histórias
a se contar

e hoje o tempo me chega
pelos
ouvidos

e corre por mim
das pontas dos cabelos
a dos dedos dos pés

...

ela diz [a voz
do tempo me soa
feminina]

ela diz ter
olhado sempre
por mim

mas desconfio
que a verdade seja
"para mim"

e ela me viu
ser e mudar tantas
e tantas vezes

de móveis, de gosto
de rostos em espelhos
e porta-retratos

ela mantém a conta
ainda que não se queira
pagar para ver

ela me faz lembrar
de um tempo
que já se foi

e não sei
se sinto por ele
algo

além da dor
do lembrar
e não saber

...

enquanto ela canta
eu vago pelos cantos
como os fantasmas

de um passado
que agora se faz
presente

a casa era a mesma
mas eu
era outra

e dançava sozinha
sem medo de conter
lágrimas e passos

de ida
de vinda
de dança

...e ela cantava
e canta
enquanto eu sigo...

a casa era outra
mas eu
era a mesma

e com ele dançava 
como se fosse a última
música

sem saber ou querer saber
se estavam fazendo aquilo 
do jeito certo

rodopiando seguimos
a eterna dança, enquanto
ela canta e sempre cantará

quando quer 
que seja, onde quer 
que se esteja.

Comentários