De pátio cheio

Crônica publicada no Mulher Interativa do Jornal Agora // Ilustrada por Lorde Lobo

Animais estão em alta! Tanto na população que circula nas ruas, quanto na internet − cair na rede já não é privilégio de peixe. A moda agora é ser cuidador − de bicho, obviamente. De nada adianta tratar de idosos ou de crianças saudáveis, portanto, se o fizer, que seja na clandestinidade, afinal, isto não conta pontos: o alvo tem que ser um cão ou um gato - de preferência, vários! E eles têm que, obrigatoriamente, vir das ruas! Não ouse divulgar a foto de seu cão de raça, bem tratado, passeando de coleira personalizada ou de seu gato branco de pelo longo, aquele que precisa de mil escovadas diárias e ração especial para não engasgar com o próprio pelo, deitado numa linda almofada de cetim − blasfêmia, sacrilégio, absurdo! E por quê?

Animais confinados em gaiolas minúsculas de pet shops, separados de suas mães e exibidos como se fossem objetos são menos merecedores de um lar que aqueles nascidos ou abandonados na sarjeta? Será que alguma vida tem mais valor que outra? A questão não chega à tamanha profundidade. Não se trata dos animais (raramente se trata deles), mas, sim, do ego de seus donos. 

A filosofia de que "fora da caridade não há salvação" é agora vinculada a outra bem menos nobre: a de que "se não contar, não conta". Ainda bem que as redes sociais estão aí para que se possa avaliar − mediante curtidas e comentários vazios − o quão bom se é! "Bom" enquanto sinônimo de popular. E quanto mais feio e empesteado for o animal resgatado, melhor para a índole do “regatador”!

O mesmo é válido para quem adota uma criança: se ela for bonita e saudável, sem que tenha sido vítima de maus-tratos uma vez sequer, não conta. Há quem vá além e abomine a produção de filhos naturais, afinal, já há tanta criança parida no mundo... Cabe a quem não as teve, mas as quer, a responsabilidade de lidar com a irresponsabilidade de seus pais e do governo com suas políticas e instituições falidas. Mas crianças não estão na moda, não percamos nosso precioso tempo nos preocupando com elas − não até que estejam!

Para ser virtualmente considerado um bom cuidador de animais, é preciso adotar − e quanto mais, melhor! 

Para isto, basta ter um pátio! Afinal, eles comem qualquer coisa, nunca adoecem, não precisam de atenção ou carinho, já que, sendo muitos, entretêm uns aos outros. Os filhotes praticamente se criam sozinhos, e os idosos só procuram um canto onde esperar a morte chegar. Tudo que se precisa é de um pátio e... Pronto: ponha nele quantos animais couberem. E não se preocupe − jamais se preocupe − se o espaço parecer insuficiente - um pátio é igual coração de mãe, sempre cabe mais um. Veterinário? Quem precisa de um desde que inventaram o Google?

Fora da rede, a coisa não é tão simples... Mas isto pouco importa, porque, na verdade, animais não estão em alta. Tê-los como troféu de bom-cidadão é que está. Algo não menos egoísta que adquirir uma criança na África e exibi-la nas capas de revista de todo o mundo.  

Cada um usa a pá que tem para preencher seus próprios buracos. O material que constitui a pá e aquele que é por ela conduzido é que variam, mas os buracos... São sempre os mesmos. Todos nós os temos, em diferentes graus de profundidade. 

Pena que nem todos tenham pátios: um pouco de terra onde se possa cavar, um lugar para se encher com formas de vida, tentando, assim, fazer da própria menos vazia − no mínimo, uma boa terapia!

Comentários

Suellen Rubira disse…
tudo o que eu sempre quis dizer. e gostar de gente não tá nem um pouco na moda. o bom é privilegiar cachorro no lugar de pessoas, mostra mais "humanidade"...