Qualquer uma é uma

Crônica publicada no Mulher Interativa do Jornal Agora // Ilustrada por Lorde Lobo
No dia 8 de março de 1857, operárias de uma fábrica de tecidos de Nova York reivindicavam melhores condições de trabalho quando foram trancadas dentro da fábrica, que foi incendiada, matando cerca de 130 delas carbonizadas. Porém, foi em 1910, 53 anos depois, durante uma conferência internacional feminina realizada na Dinamarca, que a data foi proposta como "Dia Internacional da Mulher", passando a ser reconhecida oficialmente pela ONU somente em 1975.

Desde então, todos os anos, neste mesmo dia, diversos países promovem conferências, seminários e ações sociais com o objetivo de valorizar e discutir o valor da mulher na sociedade atual e a desvalorização que, apesar de todos os avanços, ela ainda sofre: os salários ainda são menores e as exigências, maiores, quando comparadas a homens que desempenham a mesma função. Sem falar na jornada dupla de trabalho, uma vez que continuam sendo elas as principais responsáveis pelos afazeres domésticos – jornada esta que vem sendo sobrecarregada por muitas, na busca por qualificação profissional ou realização pessoal acrescentando “aluna” ao rótulo da mulher moderna.

Multifacetada é pouco para descrever tamanha capacidade feminina

E apesar dessa grandeza, muitas ainda são diminuídas pela insegurança alheia – não somente masculina – extravasada sob a forma de violência física ou moral. Nem todo abuso deixa hematomas visíveis, mas todos marcam na pele. O preconceito é um dos mais perigosos tipos de violência, pois chega de forma imperceptível, atua sorrateiramente e age pouco a pouco, tal qual veneno. Triste quando este é destilado pelas próprias, umas sobre as outras, como tantas vezes é:

Se uma mulher não é vista com namorados, é lésbica; se é lésbica, é porque não foi “pega de jeito” por um homem; se é vista com diferentes homens, ainda que seja solteira, é vagabunda. Se não tem vaidades, é relaxada; se é muito vaidosa, é fútil; se tem um visual descolado, é lésbica (logo, não foi apresentada para o “cara certo”); se é recatada no vestir, ou é pudica ou crente (o que, para todos os efeitos de generalismo barato, dá no mesmo). Se for assumidamente sexy, então... É da pior laia: “tá pedindo para ser estuprada” – e assim, a ignorância sem tamanho faz das vítimas, culpadas e dos culpados, vítimas de seus “instintos naturais incontroláveis”, como se todo homem fosse um selvagem disfarçado de cidadão, prestes a rasgar as roupas e romper com as civilidades quando provocado ou liberado – seja pelo álcool ou  poroutra droga qualquer – de suas travas comportamentais... 

“Coitado, não pôde evitar: foi ela quem o seduziu!”.

E a menina que bebeu demais ao ponto de não poder verbalizar um “não”, automaticamente está dizendo sim para o que vier. “Culpa dela! Não devia ter bebido se não queria ser comida!”. Já ele, pode tudo e não é responsável por nada, afinal, agiu “conforme sua natureza”. Isso faz de todos os homens psicopatas latentes e de todas as mulheres – que por um instante de distração se tornem vulnerável ao lobo que neles vive – putas. Se fosse mesmo verdade, não haveria crimes sexuais em países muçulmanos onde as mulheres têm suas “tentações” devidamente cobertas por burcas. Mas há as que deixam os olhos à mostra... Vai que se maquiem demais ou pisquem de forma inapropriada... Pobre dos homens, sabotados em sua luta constante por conter a besta fera!


Em protesto ao absurdo dessa linha de pensamento, diversos países têm aderido ao movimento "SlutWalks" ou “marcha das vagabundas”, criado em protesto contra a declaração infeliz de um policial durante uma palestra para a universidade local de Toronto, Canadá, sugerindo que as estudantes do sexo feminino deveriam evitar se vestir como "vagabundas" para não serem vítimas de assédio sexual. Desde então, as passeatas lá iniciadas e organizadas através das redes sociais, vêm ganhando o mundo – e já chegaram ao RS! Nelas, mulheres vestidas de forma propositalmente provocativa protestam pela liberdade de se vestir e se expressar. E se isso faz delas vagabundas...

Eis que o termo tornou-se um elogio e tanto!

Ainda que a olhos maliciosos uma mulher pareça “uma qualquer”, uma qualquer merece o mesmo respeito que qualquer uma! Assim como qualquer outro indivíduo, independente de qualquer outra coisa – sexo, idade, cor, inclinação política ou sexual – pois qualquer um é único e nada justifica a violação de sua unidade, liberdade, corpo ou privacidade.  
Marchemos, bitches!

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