O inevitável, o inexplicável e o desnecessário


 - Publicada no Caderno Mulher Interativa do Jornal Agora em abril de 2012

Pelo nascimento de meu filho, Dimitri, em 31 de março de 2012

E o grande momento chegou, trazendo consigo um novo ser e transformando alguns deles. Eu diria “enfim, chegou”, mas o tempo e sua pressa em correr não deixou margem para expressões conclusivas. Tão rápido quanto veio, o momento foi-se, deixando comigo mais uma razão para viver e uma enorme [eterna? assim espero] sensação... a qual nem mesmo o melhor  dos poetas seria capaz de descrever. 
Ter um filho é como ser arremessado numa realidade paralela onde todas as coisas que existem são as mesmas, ocupam os mesmos lugares, porém, ao mesmo tempo estão diferentes – o que não é evidenciado por aparência, mas, sim, por essência e importância. Ou talvez as coisas ainda sejam e estejam exatamente da mesma forma e a grande mudança ocorra atrás dos olhos que as observam, nas mãos que as manuseiam, no ser que as coisifica.
Ao nos prepararmos para um momento, comumente ignoramos que o imprevisto é uma variável imensurável, um cretino capaz de pegar de calça na mão mesmo o mais precavido dos indivíduos!  Melhor que prevenir é assumir que nem tudo cabe nos planos – por mais completos que eles pareçam. Isso dito por alguém que passou os últimos oito meses planejando um único momento, mentalizando e organizando tudo, pelo lado de dentro e de fora, etiquetando e escrevendo listas ordenadas de coisas que ainda precisavam ser feitas, até que... Pimba: o imprevisível aconteceu mais rápido que um sujar de fraldas e os planos no papel deram lugar ao caos. Aliás, eis aí uma das principais mudanças vindas com a maternidade: o caos? Também, mas principalmente a moeda ─ tudo passa a ser contado em fraldas, ao mesmo tempo em que se perde a conta delas.

Quando o momento ainda cabia nos planos, temia que, ao chegar em casa levando comigo toda a tal realidade recém-nascida, fosse acometida por uma vontade ensandecida de sair correndo balançando os braços para o alto, mas... não fui ─ ao menos ainda não. Passado quase um mês desde o grande dia, ainda me sinto sob o efeito de alguma droga ou magia de encantamento. Imagino que tal sensação seja necessária para sobrepujar toda a dor, o cansaço e o estresse que dar à luz um filho acarreta. É como se uma overdose de felicidade servisse de conforto contra todo o desconforto físico e emocional que o processo fisiológico do parto acarreta ─ o corpo, muda, a mulher, muda, a vida, como até então se concebia, muda, e mudanças, ainda que boas, são sempre estressantes. Isso porque o estresse nada mais é que algo capaz de nos arrancar abruptamente da mesmice a qual chamamos de normalidade.

Ainda que se tenha a sorte de contar com o suporte de uma equipe médica e familiar competente, quando se tem um prematuro e se amamenta por livre demanda, este se torna o objetivo da existência materna durante os primeiros meses. É como se aquela nova vida dependesse exclusivamente do sucesso da amamentação. É como se o cordão que há pouco prendia mãe e filho tivesse sido substituído por um novo elo, o de uma vida a alimentar outra, eis um elo forte, insubstituível, inquebrável. Talvez seja esse o tal sentimento inexplicável que torna tudo tão menor se comparado ao pequeno que agora vive por si mesmo do lado de fora. Cabe dizer que esse projeto de independência existencial dói um pouco, mesmo nas mães menos dramáticas. Talvez por isso muitas digam sentir falta do barrigão (aquele com o bebê dentro, não o que fica teimando em nos acompanhar por mais uns meses depois que o bebê sai de dentro). Ainda que possa esconder e não se queira admitir, o amor tem em si uma pitada generosa de posse.

E eu que me projetava como a mais libertária das mães, descobri ter cinco voltas de cordão umbilical em torno do filho que guardava em meu ventre, bem seguro, bem meu. E não me envergonho, e não me admiro - isso diz muito sobre a mulher que me descobri ser. 
Ser mãe é apaixonar-se de forma irreversível, previsível e, ainda assim, inevitável. 
Fico feliz pelo imprevisto que trouxe meu rebento aos meus braços muito antes muito do esperado e pela sorte de poder o ver crescer, dia a dia, suspiro por suspiro, junto ao meu peito. Ainda que agora ele seja do mundo, seja de outros, sei que continua sendo tão meu quanto sempre foi e sempre será. E isso me basta. O resto é inexplicável, inevitável,  e tudo o que se poderia explicar me parece absolutamente desnecessário.

Comentários

Carla Ceres disse…
Que texto mais lindo, Ju! Estou muito feliz por você e pelo Dimitri. Até eu, que não sou mãe, sinto que os bebês têm um tipo de magia apaixonante. Fico toda boba quando um deles sorri pra mim. Muita saúde e paz pra vocês! Beijos!
Maria de Fátima disse…
e sabe, Ju, vai ser assim por toda a vida como você tão bem diz.
"E eu que me projetava como a mais libertária das mães, descobri ter cinco voltas de cordão umbilical em torno do filho que guardava em meu ventre, bem seguro, bem meu. E não me envergonho, e não me admiro - isso diz muito sobre a mulher que me descobri ser.

Ser mãe é apaixonar-se de forma irreversível, previsível e, ainda assim, inevitável. "