Prazo de validade


[Crônica publicada no Mulher Interativa do Jornal Agora de set/09]
Foto: Getty Images

“Guardo relógios parados
E no silêncio repousa o tic-tac eterno
Guardo calendários antigos
E já desfolhados
Meus dias passam invisíveis”

- Versos do poema "O Nada" [da mesma autora]

O mundo vai acabar. Um dia, é bem provável que sim, afinal, tudo que começa, consequentemente, termina ao menos até onde se sabe. E pelo que tudo indica, o mundo vai de mal a pior, logo, não há de durar para sempre. Aliás, quanto tempo cabe num "para sempre, para todo o sempre"? Todo e, ao mesmo tempo, nenhum: o tempo não se veste com figuras de linguagem, ele é maior, bem maior que isso. O tempo jamais será comportado!


Só existe uma coisa maior que o tempo: o nada. 

Nada é maior que o tempo. Portanto, qualquer previsão que se faça não passa de uma de mais uma tentativa pretensiosa do homem de sondar o inalcançável, de fingir e tão bem que é capaz de convencer a si mesmo, através de um nome, um número, um saber por ele inventado ter algum domínio sobre aquilo a que está sujeito e vitimado.

A humanidade vive obcecada em contar o tempo, quer seja em calendários quer seja em relógios. Mas de que adianta tanto datar?  


Datar nada mais é que limitar o tempo em números para assim facilitar nossa compreensão sobre a passagem dele. Andar no compasso do tic-tac é correr em círculos, como fazem os ponteiros, uma atrás do outro atrás do um. E desperta de vez em quando para fazer alarde sobre algo que se julga de maior importância.


Dizer que o mundo vai acabar pode até não ser de todo besteira. Agora, prever quando ele irá acabar, são outros quinhentos séculos, assim espero. O máximo que se pode prever, com a mais absoluta certeza, é quando expira a validade do cartão de crédito ou da conserva de algum produto qualquer: 2015, dizia em alguns dos meus. Ufa... Sinal que o mundo está seguro por mais uns anos, afinal, um sabonete não há de durar mais que todo um planeta ou um punhado deles, certo? Nada científico, não se anime! Nada além de mais uma de minhas teorias bestas. Aí vai outra:

É preciso um ano inteiro para superar o outro para arquivar mais uma pasta nos arquivos do passado, para “deixar pra lá” de vez. Talvez porque seja preciso uma boa dose de esquecimento para que o processo de cicatrização das memórias ocorra com sucesso ou por ser esse o tempo necessário para que toda a poeira se assente. Tanto faz. O importante é que, uma vez vivido um ano ruim, é preciso que se passe outro ano, um longo e maldito ano, de trezentos e sessenta e cinco às vezes "e seis" dias, de oito mil setecentas e sessenta horas, de quinhentos e vinte e cinco mil e seiscentos minutos (tic-tac-tic) para só então zerar o placar e começar uma nova contagem.

Mas, afinal, quem está contando?

Temos todo tempo do mundo, seja lá quanto isso represente.

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