— Ao girar da roda —












Ilustração de Dave McKean
(The Vertigo Tarot) 












Guardo-me em gavetas, em estórias, em intervalos
Inconstantes de memória. Guardo-me aos pedaços
Em retratos, em relatos, em pó

Viajo em nuvens que já não são as mesmas, mas remetem-nos
À tempos longínquos de esperança, à ingênua idade da infância
Aonde o tempo era uma só estrela — tão brilhante, tão distante

A singela utopia da aurora dos nossos dias, hoje presente
Oscilante nas lembranças vazias — o tempo é uma ameaça
Constante que nos congela em noites frias

Sussurro, ao silêncio, este meu saudoso pranto
Enquanto elevo o olhar aos céus, buscando nele
Estrelas: algo imutável nesta natureza efêmera

Sigo a dança do universo, aos tropeços — aos versos — arrisco
Um ritmo, esqueço os passos. Até deixar-me guiar, lentamente
Até perder-me no tempo, latente:

Ao girar da roda sinto-me o último grão, levado
Mesclado e mimetizado a estranhos semelhantes
Tornando-nos uno amontoado ao sopro do vento

Comentários

Chamou-me muito a atenção a imagem e - claro - as construções sintáticas compridas. Gostei do tom de prosaísmo e fiquei pensando se o poema é daqueles que brotam de reflexões que temos em aula de literatura (não sei você, mas costumo rabiscar coisas no canto das folhas). É uma bela contemplação da vida, em formato de analogia (ponto muito forte). Blasina. Gostei muito dos três primeiros tercetos, do conteúdo e da forma.Enfim, é Belo, singelo, sincero e delicado (seu texto), e belas (as suas) reflexões!
Ju Blasina disse…
Thanks, Carol.
Esse não nasceu em devaneios de aula, não. (Note, eu disse "esse" não... risos). Também faço isso com frequência, mas nesse o caso o poema brotou após uma longa "viagem" de moto, numa noite fria e estrelada.
Beijus